Sinopse de “Caminhos Trilhados”


Carmo correspondia ao tipo de mulher dócil que sempre fez o que se lhe pedia. “Devias ir para a Suíça tirar um curso de terapeuta! Lá existem os melhores professores e as melhores escolas de educação e terás uma ferramenta para utilizar” - disse-lhe um dia seu pai.
E ela foi. Sem questionar ou confirmar as verdades do seu progenitor.
Deportou-se inconscientemente e por lá ficou dois anos que não lhe acrescentaram nada, a não ser um curso no seu currículo que nunca admitiu exercer.
Como todos os seres humanos, depois de nascerem, criou-se à sombra materna, acolheu o peito vigoroso de sua mãe como esmola gratuita, roubou o sossego de muitas noites mal dormidas a seus pais e irmão mais velho, mais tarde, exercitou todas as formas de exuberância de vida própria da juventude com dinheiro.
No dia em que fez vinte e um anos saiu de casa e atirou-se de cabeça a um casamento errado. Escolheu o ser mais fútil que se poderia encontrar nos bares da noite lisboeta. A frivolidade era tamanha, a profundidade e escuridão da sua alma inequívoca, um comportamento de marialva barato e ocioso.
Depressa se cansou e, magoada, saiu da relação com uma filha nos braços.
Demorou dois anos mais a descobrir a sua própria futilidade nascida naquela relação e a dureza de uma realidade exigente preconizada pelos abraços de sua filha chorando por uma vida condigna.
Aos vinte e cinco anos sentou-se num degrau de uma carcomida escada de um velho prédio de Lisboa, onde morava e, pela primeira vez, interrogou-se: “O que faço aqui”?
 
Emília tem hoje setenta anos. Uma mulher de fibra, como todas as que se fazem na escola da vida, uma cozinheira de mão cheia, alguém que aceita viver o sonho de outros desde que entenda o que se lhe pede e, no seu íntimo, reconheça o papel meritório que desempenhará nele.
Casou muito nova comungando na regra da sua aldeia beirã aceitando que o seu homem fosse escolhido pelos progenitores.
- Já tens dezoito anos, arranjei-te um homem bom com quem possas dar-me netos.
Emília levantou os olhos verdes para seu pai temendo o que aí vinha. Tinha ouvido histórias nada interessantes sobre homens brutos, tratando suas mulheres como gado, apenas como sendo mais um para alimentar. Poucos casos de sucesso em que o homem sabe olhar para a mulher com carinho e companheirismo. “Isso bastar-me-ia, um companheiro de jornada”, pensa.
Mas nada disse a não ser o tradicional: “Sim, pai!
E casou. Até gostou do homem que desde esse dia passou a dormir consigo.
- Foi um bom homem – diz ela hoje.
E aceitou com bom grado os três filhos que Deus Nosso Senhor lhes deu. Sempre os considerou uma dádiva, olhou por eles como uma mãe extremosa, alimentando-os, puxando por todos para lhes dar uma enxada para a vida. Nunca se deixou vergar pelas circunstância, lutou a par e passo, mesmo quando o seu homem morreu na flor da idade aos 35 anos. Uma doença terrível, um cancro no estômago. Logo que o médico lhe deu a má notícia, arregaçou mangas e disse às suas vizinhas:
- Acabou a boa vida! Agora é trabalhar e lutar, o meu homem não pode morrer em vão.
E se já assim era antes, assim foi depois de o levar ao cemitério. Nunca lhe viram uma lágrima em público, apenas dizia:
- Deus levou-mo, fica a saudade.
No entanto, diz o filho mais velho que se lembra do choro de sua mãe nessa longa noite em que seu pai jazia morto na cama. Sozinha terá, assim, curtido a sua desventura ao levarem-lhe o seu homem e companheiro.

Coimbra sempre foi considerada a cidade dos estudantes.
Desde o reinado de D. Dinis que essa é uma verdade insofismável. Primeiro, um burgo de dimensões reduzidas mas onde imperava o culto das letras e do saber. Cresceu como entidade arreigada na proporção directa do número de estudantes que a procurava e do conhecimento que transmitia.
Até ao século XX, foi a terceira cidade portuguesa, mas deixou-se afundar na marginalidade dos números quando se permitiu a profusão do saber por mais cidades e não se entendeu que outras vivências se deveriam impor em paralelo com a Universidade. A Economia da região, o saber-fazer depois do saber, não foi pensada em adequação e hoje é, talvez, a saudade de quem parte que a mantém grande no coração dos homens letrados.
No entanto, é uma bela cidade. Se soubermos percorrer suas ruas e nos debruçarmos sobre os cantos da cidade-velha encontramos as razões dessa saudade, da constante sobrevalorização dos seus dotes cantados pelo admirável fado coimbrão. Há quem diga que parou no tempo, há quem acredite que está melhor assim do que se projetada, como muitas, como cidade para o futuro, que a tradição vale muito mais do que o progresso, que a saudade se fortifica na beleza do reencontro com um passado perene e, portanto, sempre presente e que o futuro, muitas vezes, se faz desse passado, se enraíza no presente e, por isso, se projecta no futuro.
Assim, Coimbra será lembrada sempre pelo que foi, o que é e o que representará no futuro de muitas gerações de jovens estudantes.
Esse, o seu legado perene!
Elizabeth, viúva, 42 anos de juventude e lealdade, pensa Coimbra deste modo. E não há ninguém que a demova a olhar a sua cidade com um olhar diferente do ângulo por si proposto. Até porque nasceu lá, cresceu, fez-se mulher – e que bonita – brincou com os homens o perigoso jogo da sedução, distribuiu amor verdadeiro aos amigos, aos amantes, ao marido que lhe coube na sorte nesse ousado enrolamento. Hoje, viúva, estado para onde foi atirada por um desastre rodoviário que levou seu amado homem para longe de sua vista, depois da lealdade de uma relação intensa, a dois, bela e, portanto, saudosa, entende agora que está chegado o momento de olhar o mundo que a rodeia com olhos de solidariedade e de fraternidade para com o seu semelhante.

Maria João, uma jovem de dezanove anos, de uma beleza interior espantosa, olhos de uma enorme sagacidade. O futuro, vivia-o no limite do seu arrojado pensamento, sempre fervilhando de inquietação, multiplicando-se em afazeres, virados à arte da expressão por um ideal estético, uma atividade criadora destinada à obtenção de resultados práticos na vida das pessoas.
Veio de uma Escola do Ensino Profissional onde manejou com mestria todas as artes plásticas. Entra nas Belas Artes, no Porto. Desde o início dedica-se ao projeto, à criação de objetos que façam falta ao dia a dia das pessoas, que transmitam as tais mensagens estéticas.
Uma artista de corpo inteiro.
Um pouco louca, como todos.
O local predileto era o seu quarto, seu atelier privado, onde estudava, explorava conceitos, sonhava. Ninguém a via na noite, num jantar de amigos ou mesmo numa tertúlia de arte. Mas se lhe falavam numa atividade de criação artística na área do teatro, em projetos para o espaço público ou numa colaboração em Museus, corria em seu alcance e via-mo-la concentrar aí todas as suas forças.
O restante tempo era vivido na Faculdade das Belas Artes.
Ainda frequentava o 3º ano quando foi convidada para fazer uma experiência em cenografia, no Teatro Experimental. Além de ter achado o convite encantador, tem desses projetos a noção de fragilidade tanto do acto teatral como da atividade dos cenógrafos. Dizia ser preciso promover a dignidade do oficio, de eventos de formação dirigidos pelos melhores profissionais, reflexão sobre o espaço no teatro.
Como desafios são sempre com ela, aceitou o repto.
Atirou-se a um solitário e árduo trabalho de criação, dando vida a um espaço onde decorreriam atos de vida, vivência de pessoas e factos que precisavam de visão arrojada, nascida de um compromisso entre o autor da peça e o cenógrafo, criando-se a atmosfera propicia ao desenrolar do drama.
Aos 22 anos alcança um enorme êxito e notoriedade no seu meio.


São estes os caminhos que se vão cruzar no espaço de vida destas quatro mulheres, desconhecidas entre si.
São trilhos que se intercetam provocados pelos sortilégios da natureza.
São os encontros da vida.
São, afinal... a própria vida!

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