A Cidade acordando




O vento desce dos sótãos da vida,
Os fantasmas seguem os caminhos da sombra,
Os pesadelos desfazem-se no colo das mulheres adormecidas.
E eu… vagueio pelas memórias dos sons no silêncio do meu quarto.

As névoas matinais elevam-se da floresta da noite,
Os murmúrios das esquinas acalmam os peixes que dançam ao sabor da magia nas águas frias das fontes da Cidade.
As almas escorrem pelas escadas de lamas que incendiaram os corpos.
E eu… sofro o trespasse da monotonia da espera no silêncio do meu quarto.

As flores reagem aos flaches do sol bem-vindo,
Os frutos nas árvores dos martírios sacodem o orvalho que entropece,
O silêncio das trevas afasta os gritos das obscenidades banais,
E eu…mareio entre colos apodrecidos no silêncio do meu quarto.

O Sol-posto revive no Este dourado,
As janelas da Cidade respiram o amor que roeu as camas desvairadas,
O silêncio esvai-se nas entranhas da noite acabada e chama as almas a recriar rotinas benfazejas.
E eu… grito a dor que me consome no silêncio do meu quarto.

Que obsessiva solidão é esta que me agarra ao nevoeiro,
Aos fantasmas que não ouço,
Às estrelas que não brilham,
Às flores fora de estação,
Ao sufoco do silêncio
que não deixa meu corpo da cama se erguer?

Na noite,
Sinto-me um campo abandonado à loucura,
Possuído por um génio destruidor que não me deixa
Caçar flores,
Golpear estrelas,
Rasgar nevoeiros,
Mas sim e só redopiar até a Cidade renascer!

Então, aproveito o tempo para adormecer junto aos arcos da memória,
Voo para lugares inacessíveis onde nomes e janelas
são violinos no ofício da poesia,
Afogo-me nos poemas arrebatados onde a maturidade da vida alimenta com sangue a minha loucura.
Saio poeta com vida imerecida,
em paz com a beleza da Cidade nesta Primavera renascida.

(Fev 2015)
(Letras da Primavera – Biblioteca Municipal Anadia – 2015)

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