A NOITE

As tábuas aplainadas cercam-no,
o girassol dorme ao canto do quarto
aguardando a luz do dia que tarda.
O silencio corre na sua velocidade
só uma folha, lá fora, estremece.

A cidade poisou há muito suas asas,
o cheiro morno da noite invade suas entranhas,
o hálito do necrotério paira sobre a cama,
até o peixinho no aquário queda-se
expectante... e estremece.

Busca qualquer som de sapatos leves,
ouve sua respiração ansiosa,
revê sombras esbatidas no espelho.
Uma gota de água ressoa nos canos,
na quietude de cemitério... estremece.

Pergunta-se - quem sou eu, que faço aqui?
Uma mancha vermelha tinge seu olhar,
o tecto abre-se em bolhas de ar esvoaçante
num túnel desconforme mas apelativo,
seu peito, em terror momentâneo, estremece.

Ouve sons correr, outros se lhes seguem,
o escuro do quarto eriça-se, envolve-o.
Há diálogo no ar, intenso perfume o invade,
candura em movimento, em mão impaciente.
O toque acordou-o, o leito estremece.

Sente-a percorrer seu corpo,
num cambiante único, sem reticencias.
Delicadamente, a primavera entra em nele,
a ternura, a paixão, a dádiva o absorve.
As sombras esbatem-se, a mulher toma-o.

Sua alma, agradecida, estremece.

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