A vida depois dela passar


Todos dizem que os deuses, por vezes, nos remetem para uma segunda oportunidade.
Qual será, é o que está em equação. Não passou ainda dum teorema por resolver. Nem equacionado sequer.
E a solução não está na última folha do livro. Logo, não vale a pena ir lá. Perda de tempo, de energia, e desaparece a ilusão que alimenta a leitura...
Todos os dias, tento dormir sobre o assunto.
Volto no amanhã, sempre convicto de ter uma resposta.
Sinto que é para isso que existe a inteligência.
Mas, ou ela me foge ou são águas profundas onde a matemática não acerta com o ruído dos passos.

O teorema proposto é “como viver depois da vida ter passado por nós!”

Nasci...cresci...procriei...amei, juntei a paixão, revigorei todos os dias esse laço em nome das raízes, fui sôfrego nos actos de receber.
E soube dar sempre mais do que, eventualmente, poderia ser devido.
Soergui a felicidade em todos os momentos, mesmo que tudo desabasse à minha volta.
E, acreditem, desabou tanta vez.
Impossível! Como houve felicidade se há tantos fragmentos sobre o caminho que pisei?
Porque amei, fui livre, utilizei meu castelo contra as pedras que voavam, só deixei entrar as borboletas de mil cores, fui amado, soube renascer, em constância, para sonhos perdidos, dei sempre lugar aos barcos da aventura.
Foi o segredo deste meu pequeno abismo.
Marquei encontro com as subtilezas do amor.
Do amor, claro!
Não confundam com sexo a dois.
Acreditem que é diferente.
Despejar é uma coisa,
amar,
partilhar emoções,
conseguir, na fusão de dois seres num acto físico, meter a nossa alma naquele embrulho,
não é para todos.
E é indescritível.
Acreditem, sei!
E, francamente, espero que vocês também o saibam.
Senão estão a perder o melhor.
Mas tenho visto tanta falta de compreensão entre família, vizinhos, países, mundo, que duvido, sinceramente, se a maioria sabe o que é o amor.

Chegou a altura de vos pedir que durmam, vocês, sobre este assunto. Eu não preciso, porque amei.
E se tenho idade já de andar de comboio com meio bilhete, é porque tenho tempo para ser honesto.
Calculam a desonestidade que existe à nossa volta?
Desculpem, não me quero perder na meada nem cansar-vos com os meus cravos de solidão.
Mas antes de continuar, preciso de desabafar.
Eu estou como que viúvo, metaforicamente falando.
A mulher que amei mais do que a vida,
que me deu todos os malmequeres da existência,
está numa cadeira,
não fala,
não compreende o que se lhe diz,
a não ser em pequenos, grandes momentos quando vejo em seus olhos a percepção que sou eu, o marido que está ali, a tratar dela,
a chorar com ela.
E, no intervalo desses momentos, estou aqui, falando convosco para vos fazer entender como nos devemos entregar.
Já perceberam, exactamente, o que quero dizer.
Que a minha mulher nunca vai deixar de ser minha,
foi a companheira,
o que vulgarmente dizemos: “a mulher da nossa vida”.
Aquela que, mesmo que desapareça do convívio,
não podemos procurar outra para a substituir.
E sabem porquê?
Porque seríamos falsos e quem amou não o pode ser...
Se e quando estivéssemos com outra mulher só procuraríamos os
pequenos pormenores daquela que foi a tal mulher da nossa vida.
Ficamos amarrados ao rio.

Sinceramente, espero, para o rio da eternidade,
onde a barca corte o nevoeiro e repouse junto das giestas douradas.

Bom! Agora é que me perdi.
Claro que me perco todos os dias.
Ao chorar com ela,
recordando o tal momentinho, um atrás do outro,
perco alguns segundos da vida terrena que ainda vou tendo,
mas é tão bom chorar por amor...
E essa perda é uma enorme, enorme sensação de ganho, por estarmos a dar!
Sabem que dar é óptimo?
Quem não concordar com isto é porque, na sua vida ainda não deu o suficiente.
Dar, acreditando que o outro precisa do que nós temos,
é um archote que só o coração acende.
E se dermos o que nós próprios poderemos precisar no futuro,
o sentimento é muito maior.
É o nosso lugar de silencio.
É o barulho desfazer-se na onda que marea.
É o consumar da nossa paixão.

E se a vida esperou por mim não me importo que, na meta, exista uma cruz.

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