A criança


QUEM ERA EU?

Aos sete verdes anos, aliás, como qualquer criança de aldeia, fugia para a rua onde outras brincavam com suas bolas de trapos.
De corrida em corrida, em pontapés falhados, com saudades que a memória rói, ia passando meus dias.
Meu hoje velho irmão, quando de férias vindo da cidade, saltava comigo a janela da salinha, atrás das inconstâncias da juventude.
Afoitos no acto, mesmo quando o vento frio nos puxava os cabelos, a cúpula celeste abençoava nossos passos. E lá íamos, um atrás do outro, buscando a brincadeira desejada.

Mas chegou o dia de sentar a mesa onde a caneta sobre o papel me gastou os dedos.
Abriram-se desconhecidos horizontes, passei a ler o que outros escreveram na ânsia de um dia, também, alguém olhar meus escritos, ferrados no papel que, por desgastado, agora, mais meu amigo passou a ser.

Lembro a Mãe. Com ela, havia sempre um brilho no vazio, a solidão era menos companhia.
Iluminava a estrada da existência, era o atalho da procura do sentido da vida.
Tenho saudades, ó deuses, desse tempo que tudo escondia, onde era fugaz a obsessão dos pescadores de ostras.

Vejo a Mestra, com os cinco olhos na mão, uma cara que não escondia ser mãe e chorava as reguadas que choviam como laminas decepando o brilho dos nossos olhos.

Com essa maldição evaporada, entrei com distinção e aprumo num colégio da região.
Aí levei um rumo contrário à, ainda, minha curta vida.
Com voz de tons dissonantes, fui olhando o sexo ao lado, inebriei-me na procura do milho-rei na intenção de beijar as moças que sorriam.
Quis ser adulto decapitado de anos.

As imagens distorceram o caminho e fui atirado, num dia de chuva, para uma valeta interna na grande capital do império.

Lembro a figura do Pai, austero e pedagogo, mas agonizante do seu passado, fechando meus horizontes, expondo-me à solidão de uma camarata com muitos outros iguais.
Aprendi, então, as sábias virtudes dos homens.
Soube ler os livros no sentido correcto, esquerda para a direita, cima para baixo. E, sempre que via o fim escrito na página última, de mão cansada em portar tanta sabedoria, logo escolhia novo cavalo para montar. E a trote e, por vezes, a galope, buscava o ensinamento dos escritos balouçados nas linhas lavradas.

Fiquei a gostar da cidade. Fui fã da adolescência sensata dos jovens de sessenta.
E porque já gostava da mão jovem, fui agonizando minhas ânsias no namoro leve, sentimentos partidos pela distancia nas férias continuadas na minha aldeia, saltando para a rua da janela da salinha, correndo aos pássaros sem ouvir seus cantares.

Eis que um dia, senti meu corpo fechar, com terror, a despreocupação e senti-me a saltar fogueiras responsáveis.

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