70 anos

Na mitologia greco-latina, Saturno foi senhor absoluto, com todos os poderes do Céu e da Terra. Todavia, foi destronado e expulso do Céu por Júpiter, seu filho.
Já nesse tempo, a inveja corroía o homem. Diz a lenda que Saturno se refugiou na Itália, onde passou a governar. A sua administração foi tão sóbria e tão eficaz que a terra produzia todas as comodidades da vida e os homens viviam na inocência e em perfeita felicidade.
E o reino de Saturno na Itália passou a ser conhecido pela simpática designação de
Idade de Ouro.
Idade de Ouro é ainda, segundo a tradição lendária, o tempo em que o homem vivia no estado de inocência e de verdadeira felicidade.
Idade de Ouro é também o período da existência de uma pessoa, de uma família, de uma instituição, de uma empresa ou de um país em que, na paz, na saúde, e na concórdia, se soube fazer o melhor aproveitamento dos bens espirituais e dos bens materiais que a vida proporciona.
Dificilmente, hoje se encontrará alguém que viva nessas idílicas condições.
Eu, hoje, instituo um novo conceito para o termo:
Idade de Ouro é aquele período de tempo que acima dos 70, alguém seja capaz de viver em harmonia na família, em paz com o seu semelhante, na concórdia consigo mesmo.
A harmonia na família nem sempre conviveu bem connosco.
A paz, com os meus semelhantes, foi muitas vezes perturbada.
A concórdia comigo mesmo, quase nunca existiu.
Defino assim o meu estado de espírito, HOJE:
A curiosidade mórbida é um traço forte da nossa cultura. O pararmos na estrada para ver um desastre, ficar comentando o acontecimento e as suas repercussões. A avidez que se nota nos olhos quando nos apontam onde há sofrimento ou culpabilização. As religiões dominantes que nos monopolizam e nos confrontam diariamente com sentimentos de culpa, de tristeza ou de dor. A elevação espiritual não pode ser uma dependência. Todas as nossas conquistas civilizacionais traduziram-se numa continua melhoria da qualidade de vida. E com ela os padrões de pensamento deveria ter sido alterados. Não mais a crítica, a maldade ou o julgamento na praça publica. A substituir por optimismo e generosidade. Esquecer os inimigos, ou melhor, rezar por eles, enviar-se luz e serenidade. Amor, substancialmente. Cultivar a paz como movimento libertador. Estes têm de ser os novos padrões civilizacionais. A raiva é uma força que só deve ser utilizada para vencermos os desafios. É um sentimento depressivo que impede a atitude optimista. O ódio vem da injustiça. É uma ilusão dizer que a culpa do que nos sucede é sempre do outro porque provoca a nossa desgraça. Cada um é responsável por si e só colhe o resultado de suas escolhas. A vitimação sempre foi uma opção nossa e só nossa. Há que entender isso. Saber assumir a nossa parte de responsabilidade. Entender nossos erros e, com isso, evoluir. É o modo de afastar o sentimento de vingança. Ajudando-nos a não atrair o mal. As maldades dos outros são pontos fracos deles, e terão, na altura devida, como resposta o resultado que ele procurou. Será, assim, que acontecerá a libertação.
A raiva que sinto deste mundo injusto, escondia há muito, bem fundo. Vencida pelo constante desafio – a felicidade da minha família. Quase todos obtiveram a sua luz, ou seja, a sua independência. E com ela farão o que lhes aprouver. Só eu é que não atingi, ainda, a minha libertação... Há uma lei do retorno que nos faz pagar. A consciência é divina. Nunca erra. Mas, também, não cobra nada de ninguém. Uma Lei divina não pune os erros. Eles ensinam a atingir o patamar seguinte da evolução. O livre arbítrio torna-nos responsáveis por tudo o que acontece. Logo, não somos vítimas. Só responsáveis. E a lei da atracção, uma constante quotidiana, liga-nos às nossas escolhas.
Portanto, sei, melhor que ninguém como é implacável o nosso mundo de hoje. Construído na base da competitividade, numa sociedade de consumo, que criou uma civilização filha do mercado, apostado na globalização – que nos governa, numa economia baseada na concorrência impiedosa. Até onde chega a nossa fraternidade, contra todos estes estados de alma antagónicos? A nossa vida consome-se nos jornais, pela manhã, no trabalho durante o dia, no entretenimento, televisão, ou internet, à noite. Num estilo de vida de constante auto-promoção, rodeado de familiares ou amigos, restaurantes ou filmes, eventos culturais ou desporto. Esta é a estrutura da vida diária no Ocidente. A mente não pára, uma vibração intensa toma conta na nossa cabeça. São os temores, os anseios, as relações. Numa palavra, preocupações. E é a isto que nós chamamos vida. Trabalhamos cada vez mais para consumir. Esta sociedade é o motor que determina, em última análise, a estagnação da economia quando o consumo pára. Para tal, os produtos que consumimos são cada vez menos duradouros porque eles têm de ser substituídos por aqueles novos que vão aparecendo no mercado. Porque é preciso vender muito... Esta é uma civilização que usa e deita fora. Um circulo vicioso. Como disse um antigo filosofo: “Pobre não é o que tem pouco mas sim o que necessita infinitamente muito e deseja mais e mais”. Os males da humanidade, a escassez de água ou a agressão ao ambiente não são a causa. A causa é o modelo de civilização que construímos. Como imaginar a Índia com a mesma proporção de carros por família que a Alemanha possuí? Não podemos exportar para os outros continentes o modelo de civilização ocidental! São povos que aplicam a interiorização como dogma, num enfoque contemplativo. Eles convivem na harmonia com a natureza e no equilíbrio espiritual. Uma fonte onde se restaura a saúde. Nós escrevemos em Power-point os nossos problemas, pessoais e colectivos. Dizem que eles estão envoltos e ameaçados com o silêncio. Não! Eles “ouvem” o silencio! Com ele, escolhem o caminho que querem traçar. Há uma frase de uma mulher aborígene australiana que define tudo o que sinto: “Nós somos como uma árvore no meio de um incêndio na floresta. As folhas são queimadas e a casca dura fica marcada e queimada, mas dentro da árvore, a seiva ainda está fluindo e debaixo da terra, as raízes ainda são fortes. Como a árvore, temos resistido às chamas, e ainda assim temos o poder de renascer.”
Deixei nesta floresta 6 filhos. Raízes fortes, portanto. Que saibam resistir ás chamas que fatalmente os há envolver em muitos momentos da vida. E renasçam. Como eu próprio fiz por diversas vezes ao longo destes 70 anos.
É o voto que faço neste dia.
(2Jan2013)

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