Os diferentes da Sociedade

Esta é uma herança que gostaria de vos deixar.


Sempre que uma criança nasce ela não sabe dos dramas que vivem à sua volta mas pressente-os através da sua sensibilidade. Pelo tom da voz que lhe fala, pela meiguice ou pela indiferença dos gestos, pelo tempo, calmo ou atormentado que lhe é concedido.

Ela sabe se é bem vinda ou repelida.

A criança deficiência é uma pessoa. Acreditamos que uma inteligência, mesmo que aparentemente morta, pressente o amor, a esperança ou a ternura. É por aí que as terapias têm de ser conduzidas. O pior que pode acontecer a um deficiente é ouvir falar os adultos do «coitadinho».

A insensibilidade da sociedade é tremenda quando confrontada com a diferença. Basta olhar jovens maltratando outros seus iguais porque os entendem serem um tanto diferentes, por mais baixos, ou mais gordos, ou porque simplesmente menos afoitos a certos actos que o comum dos jovens pratica. Por vezes, tanta é a crueldade do trato, a marginalidade imposta, os maus tratos infringidos.

Como educar? Será esta uma das mais importantes perguntas a fazer.

As escolas estão preparadas, os professores com formação suficiente para a prática dessa arte?

Entendo que há muito a fazer tanto num lado como no outro. Mas a preparação é fundamentalmente treino, experiência, confronto de situações. Ou seja, temos de juntar os ditos jovens normais com os diferentes, fazer aqueles olhar estes, com humanidade, com sentido cívico.

Nas escolas e na família.

Logo, ligar a família à escola.

O ensino, de ontem, de hoje, mas sobretudo o do amanhã, não pode ser só ensinar números, letras, história, ciência. O papel da escola é formar Homens e Mulheres, inteiros, sadios de mente e de coração. Um mundo conquistado contra ventos e marés. Um verdadeiro ninho de amor! Numa verdadeira escola de inclusão pratica-se o amor todos os dias, depois as letras e as outras ferramentas da vida.

Uma sociedade justa, sem discriminações e com oportunidades para todos, começa na escola. Aprender que, para essa sociedade justa, temos de estar com as pessoas, interagir com elas, preocupar-nos com as dificuldades, sermos pro-activos em relação às soluções de melhoria do nosso amigo, do vizinho, da sociedade em geral.

A solidariedade terá de ser o símbolo da vida.

Assim como as questões ambientais, que já há muito foram completamente assimiladas pelas crianças na escola, o passo seguinte será a partilha do sofrimento dos outros, o auxilio a quem necessita, a responsabilidade social, ser solidário, saber aderir incondicionalmente a uma causa, a um movimento, a um principio.

O mundo é um sistema complexo de diferenças, de cores, de classes, de riqueza, de preconceitos. A luta a travar não pode ser para uns ganharem e outros perderem, mas sim para ganharem todos.

Em todo o lado vemos discriminações e o que se ganha com isso?

Lutas, disputas que levam ao enfraquecimento da sociedade como tal.

Ora a Escola é o principio de tudo, onde as nossas crianças aprendem a escrever, a conhecer a vida, a ser Homens. Pois que também tomem contacto com as suas dificuldades e como as ultrapassar, com amor, com fraternidade, com civismo, com dedicação.

Os exemplos positivos já são muitos, só temos que os multiplicar. O mundo é um lugar bonito, de beleza incomparável, a natureza renasce a todo o momento como o Sol que se levanta diariamente para fornecer luz e conforto. Nós criaturas, só temos de seguir a natureza e, diariamente, regeneramo-nos.

O bem-estar a que todos suspiram está nestes actos de compaixão.

Quem os pratica é feliz.

Na escola inclusiva começa-se pela reflexão.

Reflectir é perceber qual o motivo porque os professores não dão conta do recado ou porque os pais não participam, porquê a indisciplina e os chumbos. Perceber as vivências de cada aluno, o seu ritmo de trabalho, o melhor modo de assimilar as matérias. Não se podem exigir os mesmos resultados a todas as crianças. Esta é uma verdade para todos, deficientes ou não.

E os professores?

Serão os facilitadores das relações entre colegas na sala de aula, a eles pede-se abnegação, muito diálogo, compreensão a rodos, planeamento coordenado e cooperativo com os alunos e os pais.

Trabalho de equipa. Acreditar que todas as crianças têm capacidade de aprender.

Não se acreditando nisto, deixa de tentar ensinar, ou de procurar recursos pedagógicos adequados. É preciso construir as rampas da aprendizagem, assim como alguém numa cadeira de rodas não vai subir uma escada, a pessoa de maior deficiência vai precisar de outros caminhos cognitivos para construir a aprendizagem. Perceber se uma criança cresceu é diferente de avaliar a formação ministrada na aula. Aquela é muito mais importante que um teste bem conseguido. O crescimento vem acumulado de mérito pelo esforço pessoal quando se vencem as limitações e não a comparação com os demais.

E os Pais?

Inclui-los nas práticas inclusivas, metê-los no sistema de comunicação com a escola, puxá-los ás reuniões da equipa escolar, para isso, escolher horas em que possam estar presentes, para planear, adaptar o currículo escolar e partilhar sucessos, fazê-los sentir que pertencem à equipa, prover as necessidades básicas familiares e estimulá-los a participarem nos aspectos operacionais da escola (voluntários para a sala de aula, membros do conselho da escola, treinadores...) para que acreditem que os filhos diferentes têm soluções de vida normais e não os abandonem, por comodidade, em instituições que cuidam delas mas sem a participação da família.

E a Escola?

Organização, organização, organização.

Perceber e fazer entender aos políticos, aos gestores de empresas, à família, as necessidades da estrutura escola. O transporte do deficiente.

A evasão nas turmas é elevada?

A resposta é: o abandono é motivado pela inacessibilidade das escolas. Há deficientes que não andam ou não têm perfeita mobilidade, pais que trabalham demasiado e não têm tempo e espaço próprio para atender às necessidades dos filhos diferentes. E eles não podem ser abandonados por isso. A comunidade tem de suprir essas situações. Lembrar todos os decisores que é na escola que as crianças diferentes se sentem iguais, logo, precisam de lá estar.

Sempre. Todos os dias.

A Escola tem de receber todos os deficientes, não podem recusar por se sentirem incapazes. A escola que for deficiente tecnicamente terá de ter de sobra altruísmo e humildade para aprender a servir quem mais precisa. E carinho, atenção, cuidado e, sobretudo, disponibilidade de coração para conviver com a diferença.

É a dignidade da pessoa humana e os seus direitos como ser vivo que está em causa e, talvez, a nossa incapacidade de aceitar e conviver com a limitação e a diferença.

Em termos de dignidade e valor, somos todos iguais.

Se actuarmos dentro destes princípios, as nossas crianças de hoje, Homens e Mulheres de amanhã, não abandonarão filhos por serem deficientes, verão sim uma criança diferente mas, sobretudo, um membro da família que precisa de ser amado, protegido, possivelmente, talvez um pouco mais do que as outras.

Por fim, a inclusão depende da família, depende da escola, depende da comunidade, sempre em partes iguais.

Dá trabalho, mas tem as suas recompensas.

Por isso há que diga “tirem as nádegas da cadeira, não esperem que as benesses caiam do céu e lutem pelos direitos de todos, não privilégios de alguns”.

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