A Musa da minha vida.








Vamos ao encontro do AMOR.

Não calculam a satisfação, o orgulho, de vos estar contando minha vida.

É uma dádiva de Amor que estou fazendo. Dar a conhecer a minha verdadeira mulher.

E tudo se passou, assim:

Tinha-a visto uma primeira vez, foi apresentada por uma amiga.

Nem sequer tinha feito questão em reparar quem me fora apresentado. Estava com uma enorme pressa em sair e, acho, que fui inconveniente.

Simplesmente, despedi-me e fui embora.


Mas aconteceu o segundo encontro.

Senti uma presença a trás de mim, caminhando na mesma direcção e que, parecia, ter saído do nada.

Procurando um modo discreto de ver quem me seguia, adivinhando um andar feminino,

ritmado,

com charme,

entrei no bar,

rodei a cabeça para o balcão, onde esperava ver o Sr. Manuel e, subtilmente,

pelo canto do olho notaria qual presença estava mexendo com a minha curiosidade.

Captei uma imagem difusa e senti-me impelido a uma verificação mais directa,

porventura mais sagaz do que conveniente.

De facto, uma imagem,

perturbadoramente bela,

aproximava-se.

Era Ela.

Um metro e setenta, idade ainda antes dos trinta, cinquenta quilos de leveza, cabelo louro cinza, liso caindo despreocupados nos ombros, óculos escuros grandes, vestido negro sobre o joelho, sapatos de salto alto, casaco curto bege com gola de pelo de raposa.

Santo Deus que visão! – pensei, atabalhoadamente.

Enquanto se me dirigia, abriu um sorriso.

E sorri para mim, eu que fui tão inconveniente quando me foi apresentada!

Uma cara facetada, testa grande, nariz ligeiramente arredondado terminando nuns lábios bem desenhados. O sorriso deixava descobrir uns dentes perfeitos.

Santo Deus e fui eu indiferente a esta bela mulher!

Eu não vi, não olhei. Mas que homem sou?

Na atrapalhação dos pensamentos, estendi-lhe a mão e Ela, pegando-lhe, aproximou-se e… deu-me dois beijos.

Ainda hoje não esqueço o aroma que emanava, está, em permanência, nos meus sentidos.

Antes, num gesto elegante, tirara os óculos escuros que lhe tapavam os olhos.

Olhos de amêndoa,

verdes claros,

olhos que falavam,

que irradiavam segurança mas,

ao mesmo tempo, porventura,

transmitiam alguma perplexidade…

Eu, nos meus 35 anos,

segundo as mulheres um macho interessante,

senti-me rendido,

apaixonado.


Estávamos em Novembro do ano da graça de 1977.

Sentámo-nos ao fundo da sala.

O Sr. Manuel serviu dois whiskies sem que nada fosse pedido.

Fiquei a saber que aquela bebida era, também, a preferida Dela.

Como se conhecêssemos há muito, a conversa rolou com entusiasmo,

falámos das nossas actividades profissionais,

Ela era técnica comercial numa companhia de seguros.

A conversa deslizou para a moda, para os espectáculos de música e teatro.

Ficámos a saber que o jazz era o preferido dos dois.

De frequência esporádica, mas certa,

no Hot Club na Praça da Alegria.

Lamentei não vir mais vezes a Lisboa

e, de certo, e por isso,

ainda não me ter cruzado com Ela nos vários concertos a que aí assistimos.

Recordámos Luís Vilas-Boas, o sócio nº1 do Hot Clube, responsável e impulsionador dos concertos no pavilhão desportivo de Cascais, onde também estivéramos.

Como, também, o grande divulgador da música Jazz, por ele iniciada em Portugal, aos microfones da rádio, em 1945, no programa “Hot Club”.

Ela ainda não tinha nascido, e eu, nessa época, não tinha idade para ir a quaisquer concertos.

Rimo-nos com a ideia.

Recordámos conversas e tertúlias sobre jazz, onde tudo isso era mencionado.

A luta travada para consolidação na sociedade portuguesa, como uma instituição cultural reconhecida e respeitada.

A Ericeira, como a praia e local de férias, onde os dois sempre estivéramos num dos meses de verão, sem nunca nos encontrarmos.

As nossas afinidades chegaram ao tempo de juventude, quando frequentávamos a mesma missa numa igreja da baixa de Lisboa e nos Irmãos Unidos, restaurante há muito desaparecido mas onde, com certeza, nos tínhamos cruzado nos almoços de domingo.

A fluidez da conversa, que naquela tarde estávamos desfiando, representava tal conjugação de factores que Ela e eu já nos lamentávamos não se havermos conhecido mais cedo pois, nesse caso, teríamos evitado os respectivos matrimónios por onde ambos passáramos, sem sucesso. Nós parecíamos prontos para dar todos os mergulhos no desconhecido.

Éramos as duas partes da mesma laranja. No sumo e na cor.

Enfim, havíamo-nos encontrado nesta vida.


No dia seguinte enviei-lhe uma orquídea a sua casa:

Pela tarde maravilhosa mas, fundamentalmente, porque os dois fomos apenas um, no pensamento, nas intenções, nos gostos. Fico, ansiosamente, aguardando o nosso próximo encontro. Poderá ser hoje, pelas 18 horas no Sr. Manuel? Posso convidar-te para jantar?”


Nesse dia, Ela vestia calças verde-claras, blusa estampada com flores suaves, com dois botões abertos, deixando antever um pouco do seu peito, casaco comprido, cintado, castanho liso, mala ao ombro, óculos de sol na mão, sorriso aberto, franco.

Com aquele andar que me perturbara no dia anterior, aproximava-se da mesa onde me encontrava.

Um beijo selou a sua chegada, seus lábios quase tocaram os meus, senti um calafrio percorrer-me o peito.

Olá! – Disse Ela.

Sorri, enlevado.

Meus pensamentos não permitiam dizer nada.

Tive medo de estragar aquele momento.

Ela era uma mulher real, não sonhara.


Estava, deveras, apaixonado.

Sentámo-nos, o Sr. Manuel trouxe os dois whiskies Chivas do costume e ficámos olhando um para o outro. Alguns segundos…

Ela quebrou o silêncio:

Então, como vai a tua vida empresarial?

Desfiei algumas das minhas preocupações mas, depressa, lhe estava pedindo perdão. Por, no primeiro dia, não ter reparado na sua beleza, no seu sorriso, na voz doce, nos olhos que falam…

Ela passou do seu sorriso franco para uma imagem de perplexidade que seus olhos transmitiam.

Nunca fui bonita e o que lá vai…

E muda de conversa.


As duas horas seguintes foram muito, e só, nossas. Apenas o Sr. Manuel, de longe, julgou espreitar os desvarios de emoções, o despir de algemas dos nossos receios, julgou conhecer as ternuras, sentiu que desfiámos nossos sonhos acordados, percebeu que não nos escolhêramos, fôramos escolhidos para viver aquele momento, notou o adoçar das lágrimas de alguns momentos mais tristes e com isso, e por isso, percebeu que nos amávamos mais, escutou os momentos que não acabaram, porque não deixámos que se fossem, conjecturou nossos olhos brilhantes quando suspensos no sorriso, viu nossos gestos, pressentiu o ciúme por prever a ternura.

Rimos por nada conversámos de tudo, explorando sentimentos, nossos mais íntimos gostos, o que pudesse diferenciar dois seres tão iguais e tão próximos.


Foi assim que passei do amor à paixão.

Completamente.

Durante mais 25 anos.

Em 2002, sobreveio a terrível doença que a colocou fora deste mundo.

E agora?

Como viver depois da vida passar?


No Natal de 2001, recebi a sua última mensagem escrita por sua mão:

Que a nossa vida não seja inútil; semeemos flores por onde passarmos… e semeemos amor… e colheremos saudade… quando estamos afastados do ser que tanto amamos!... mas que tudo seja por bem e colhas os bons frutos de um trabalho sério e compensador. Coragem! Estarei sempre contigo! Tua ....”

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