Dor
Já não sei se sou mais do que o vento
batendo no toldo da esplanada.
Sei que sou o desencontro das palavras
que não se escutam
ou que se perdem no ruído constante
que varre meus ouvidos.
Meus dedos hesitam o toque e afastam-se no sentido do vento.
Olho as paredes do quarto
que são agora o meu constante horizonte.
Vejo nas sombras a inquietude das incertezas de hoje
e do espaço que me rouba o amanhã.
Olho para trás
– por vezes é importante voltar lá –
e busco a luz que não se vê entrar,
mas que, ainda,
está presente na sombra dos meus pensamentos.
Mendigo o momento do toque singelo
buscando a paixão,
que diz mais do que todas as palavras.
Meus dedos querem ser aquilo que já não sou,
mas que anseio voltar a ser.
As mágoas que batem em meu peito
são como pedras em espaço vazio,
não molham,
não quebram,
nem respiram.
Sinto-me transportar aos ombros
todas as estrelas do universo,
rastejando a coberto de sombras amortalhadas.
Os ventres grávidos de pássaros,
que vejo a toda a hora na minha cabeça crispada,
que desafiam o meu silencio sem limites,
são as águas da renuncia,
as inconstâncias dos sobrados podres
que soçobram à intempérie dos loucos,
são o delírio oculto das almas
que buscam os segredos das velhas arcas,
nos sótãos da vida,
onde, outrora alvos e incólume, apodrecem os linhos.
Quero sobreviver ao meu destino,
mesmo aceitando a promiscuidade do poente
fechado às sensações que respiram
pelos ouvidos das trevas.
Busco nas águas transparentes
um rosto salvador das amendoeiras
que tentam florir em meu peito resfriado.
Lamento a clausura da morte
que a todos condena à terra.
Serão estas linhas o fruto perene,
a imagem sem passado,
que no desencontro das crenças,
são o sinónimo duma felicidade perdida?
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